Atento Brasil S/A é condenada a indenizar ex-funcionária por danos morais devido doença ocupacional (LER).
PROCESSO TRT/15ª REGIÃO - CAMPINAS - Nº 0032900-77-2008-5-15-0013
RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTE: ATENTO BRASIL S.A.
RECORRIDO: SARA RIBEIRO FERNANDES MAXIMO
ORIGEM: 1ª VARA DO TRABALHO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
JUIZ SENTENCIANTE: LÚCIO SALGADO DE OLIVEIRA
Da r. sentença prolatada às fls. 468/475, complementada pela decisão de fls. 483/484, cujo relatório adoto, e que julgou parcialmente procedente o pedido formulado por Sara Ribeiro Fernandes Maximo, nos autos da reclamação trabalhista que move em face de Atento Brasil S.A., recorre a reclamada às fls. 490/528.
Alegou que em momento algum descumpriu as obrigações contratuais, bem como jamais tratou a obreira com rigor excessivo; que a recorrida não se desvencilhou de seu ônus probatório quanto à prova de falta grave; que o INSS não fez qualquer ressalva quanto à necessidade de readaptação da recorrida; que é inapropriado o pedido de rescisão indireta enquanto o contrato de trabalho se encontrar suspenso; que inexistiu dano moral a justificar a condenação imposta pelo Juízo de 1º grau; que o laudo pericial constatou que a perda de capacidade laboral da autora foi temporária e parcial, não havendo que se falar em incapacidade para toda a vida; que a recorrente não contribuiu para o aparecimento da suposta patologia; que havia pausa entre as digitações; que a recorrida nunca trabalhou em atividades exclusivas de digitação; que a recorrida se ativava como teleoperadora e não digitadora; que a função exercida perante o computador sempre foi acessória; que sem a prova cabal de culpa da recorrente, não há como imputar o dever de indenizar; que em se mantendo a condenação o valor da indenização deverá ser reduzido e fixado de forma moderada; que devem ser autorizados os descontos fiscais incidentes sobre o valor da indenização por dano moral; que a atualização da indenização deve ter como marco inicial a data da prolação da sentença; que a indenização por danos materiais mostrou-se exagerada; que o Juízo de 1º grau considerou a idade limite de 70 anos, contudo, a recorrida poderia se aposentar já aos 60 anos; que a recuperação total da reclamante foi prevista no próprio laudo pericial; que a manutenção dos valores fixados importam em enriquecimento ilícito da recorrida; que deverá ser definido e delimitado, objetivamente a obrigação relativa à assistência médica à recorrida, em razão da doença profissional; que não foi a recorrente quem deu causa à realização da perícia, não podendo arcar com o valor dos honorários periciais, os quais foram fixados em demasia. Prequestionou as matérias.
Procuração à fl. 530.
Depósito recursal à fl. 290. Custas pagas à fl. 289.
Contrarrazões às fls. 533/543.
Os autos não foram remetidos ao Ministério Público nos termos dos artigos 110 e 111 do Regimento Interno do E.TRT da 15ª Região.
É o relatório.
V O T O
Admissibilidade
Conheço do recurso interposto, eis que preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
Ao contrário do que pretendeu fazer crer a reclamante em contrarrazões, o depósito recursal e as custas processuais recolhidas quando da interposição do recurso ordinário anteriormente interposto são aproveitáveis como preparo do presente recurso, vez que recolhidos em valores idênticos aos devidos.
Doença do Trabalho – Caracterização, dano, nexo e culpa do empregador
A reclamante aduziu que, em virtude do labor de forma repetitiva e dos esforços físicos, adquiriu doença do trabalho denominada LER e mais especificamente, tendinopatia no punho direito e esquerdo, o que lhe causa dores crônicas nos braços, punhos, ombros e região cervical.
Afirmou que recebeu benefício previdenciário, espécie 91 (acidente de trabalho), durante o período de 25/05/2007 a 31/10/2007, quando o INSS lhe deu alta médica.
Disse que, a despeito da alta médica pelo INSS, não possuía condições para trabalhar nas mesmas funções anteriormente desempenhadas, e que apresentou pareceres médicos à reclamada nos quais havia a solicitação para que fosse readaptada.
Alegou que a reclamada se negou a readaptá-la e que foi orientada pelo médico preposto da reclamada e por sua supervisora a pedir demissão.
Pois bem.
O perito judicial, embasado no exame médico pericial e nos exames complementares juntados aos autos, concluiu que:
“A Reclamante apresenta história clínica sinais ao exame físico, e exames complementares compatíveis com Tenossinovite em Punhos. Não existem relatos ou registros destas patologias serem prévias à Admissão do Reclamante na Reclamada.
Portanto, pode-se estabelecer o Nexo Causal entre a Tenossinovite em Punhos e o trabalho desenvolvido pelo Reclamante para a Reclamada.
A Tenossinovite de Punho Direito causa à Reclamante, redução de sua capacidade laboral, traduzindo-se por incapacidade parcial para o trabalho, para as atividades que necessitem de esforços com as mãos e punhos, de forma moderada, bem como para atividades que desenvolvia para a Reclamada.” - fl.139
Restou, portanto, patente nos autos a existência de DANO e NEXO CAUSAL.
A própria reclamada reconheceu que a patologia inicial que acometeu a reclamante teve origem ocupacional ao emitir a CAT (fl.38).
Diante dos elementos supramencionados, e, como já dito acima, é possível concluir pela existência de nexo causal entre a doença profissional adquirida pela demandante e labor desenvolvido na empresa acionada, até pela confirmação da ocorrência de acidente de trabalho por parte do órgão previdenciário (origem ocupacional da patologia).
Resta perquirir, portanto, se houve CULPA do empregador. A conclusão é positiva.
A conduta do homem médio deve ser cuidadosa e diligente, com vistas a não causar prejuízo a outrem.
O Código Civil de 2002 define a culpa em seu art. 186 ao estabelecer que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Assim, a culpa, no critério legal está apoiada em tríplice aspecto: negligência, imprudência e imperícia. Na negligência, o agente se omite, deixa de fazer algo que deveria ou deixa de observar regras que podem se subsumir no bom senso. A imprudência é o comportamento apressado, precipitado ou excessivo e a imperícia se traduz na atuação profissional sem o necessário conhecimento técnico ou científico que desqualifica o resultado e conduz ao dano (Tratado de Responsabilidade Civil, Rui Stoco, 2004, página 132).
A despeito de não haver responsabilidade objetiva da empresa quando ocorre acidente do trabalho ou doença ocupacional, a sua culpa pelo infortúnio é presumida, diante das disposições dos parágrafos 1º e 3º do art. 19 da Lei 8213/91, dos incisos I, II e III do art. 157 da CLT, que impõe à empresa o dever de adotar, instruir, informar, cumprir e fazer cumprir todas as medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. Tais medidas estão elencadas nas Normas Regulamentadoras da Portaria 3214/78 do Ministério do Trabalho, NR 01, 05, 06, 07, 09, 12, 15 e, principalmente, a NR 17, que estabelece as medidas ergonômicas necessárias à proteção da saúde do trabalhador.
Estamos, aqui, diante da modalidade de culpa contra a legalidade. Como nos ensina Sebastião Geraldo de Oliveira (Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, LTr, 2005, página 159): “Na investigação da possível culpa do empregador, relacionada com o acidente do trabalho ou doença ocupacional, o primeiro passo é verificar se houve violação de norma legal ou regulamentar que estabelece os deveres do empregador. A simples violação de alguma dessas normas, havendo nexo causal, cria a presunção de culpa pelo acidente do trabalho ocorrido, porquanto o dever de conduta do empregador é inquestionável, em razão do comando expresso da legislação. O descumprimento da conduta legal prescrita já é a confirmação de sua negligência, a ilicitude objetiva ou culpa contra a legalidade.”.
Diante de tais considerações, é do empregador o ônus de provar que adotou todas as medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. Não se desvencilhando de tal ônus, a presunção que erige é de que não as adotou. Logo, a única conclusão que daí pode decorrer é a de que a empresa concorreu com culpa pela doença ocupacional que foi desencadeada pelo exercício do trabalho em condições adversas.
Veja-se que embora a empresa concedesse pausas entre as digitações e possuísse serviço especializado em segurança e medicina do trabalho, conforme asseverou o Sr. Perito, ao responder o quesito de nº 2 e 3 de fl. 138, fato é que tais providências não impediram que a reclamante contraísse a moléstia em questão.
Assim, há CULPA DO EMPREGADOR.
Rescisão indireta do contrato de trabalho
A confissão ficta atribuída à reclamada faz presumir como verdadeiras as alegações iniciais de que era do conhecimento da reclamada a impossibilidade da reclamante permanecer no exercício das mesmas funções, e que o médico preposto da ré e sua supervisora a orientaram a pedir demissão, argumentando a impossibilidade da readaptação.
Assim, confirmo a justa causa atribuída à empregadora com base na alínea “a” do artigo 483 da CLT, mantendo inalterada a decisão no que se refere ao reconhecimento da rescisão indireta.
Em sede de recurso a reclamada alegou a incompatibilidade o reconhecimento da rescisão indireta e a suspensão do contrato de trabalho.
Todavia, não se pode conhecer da alegação formulada porque a reclamada, em razões de recurso, pretende inovar, formulando questões que não foram debatidas, sequer suscitadas, em 1a Instância. Seu procedimento deve ser rechaçado, nos termos dos art. 515, parágrafo 1o e 517, ambos do CPC, este último a contrario sensu. Se acolhido representaria flagrante ofensa ao duplo grau de jurisdição.
A reclamada não apresentou defesa e, de consequência, não pode formular, nesta oportunidade, tal arguição.
Indenização por dano moral
Diferentes são as definições de dano moral. Mas extrai-se incontroverso de todas elas que o dano moral, indenizável na forma do art. 5o, X, da Constituição Federal, é a lesão causada a atributos da personalidade, de forma a afetar o indivíduo de forma sentimental ou afetiva. É o abalo causado aos sentimentos da pessoa em relação à sua integridade física, moral e intelectual.
Morais são os danos causados aos atributos valorativos (à honra, imagem), aos atributos físicos (vida, saúde, subsistência, conformação física, liberdade de locomoção) e aos atributos psíquicos ou intelectuais da personalidade (liberdade de pensamento, direito de criação científica, artística, de invento, intimidade, vida privada), como nos ensina Alexandre Agra Belmonte em sua obra “Instituições Civis no Direito do Trabalho”, Editora Renovar, 3ª Edição, página 471.
O dano moral resulta de conduta anormal do agente, o qual impõe comoção que atinja os direitos da personalidade de outrem. Vale dizer, é o sofrimento íntimo que acomete o homem médio, ou que é reconhecido pelo senso comum. Excluem-se, portanto, as adversidades decorrentes de fatos regulares da vida, os melindres particulares desta ou daquela pessoa e as suscetibilidades provocadas pela maior sensibilidade da vítima. Deve ser provado ou, ao menos, presumível, isto é, demonstrado indiretamente por circunstâncias externas as quais indiquem que, em iguais condições, qualquer outra pessoa comover-se-ia do mesmo modo.
No presente feito não há dúvida de que a reclamante adquiriu doença profissional que a incapacitou parcialmente para as atividades normais, não só pelo descrito nos documentos juntados com a inicial, como pela confirmação da ocorrência de acidente de trabalho por parte do órgão previdenciário (origem ocupacional da patologia).
A reclamante foi admitida em 2005 e em menos de dois anos de labor a favor da reclamada teve sua capacidade de trabalho diminuída, em virtude da doença que adquiriu.
É o empregador quem deve zelar pelas condições de trabalho, pela forma como a atividade é prestada, a fim de salvaguardar a higidez do empregado.
Tal, contudo, não ocorreu.
Nessa circunstância, o dano é evidente, pois a ninguém agrada perder a saúde ou parte dela, tornando-se incapaz para desfrutar a vida plenamente. Também ressalta a culpa do reclamado, tendo em conta competir ao empregador prover condições de trabalho adequadas e zelar pelo bem-estar de seus empregados, a teor do artigo 157 da CLT. Por outro lado, não se verifica a culpa exclusiva da vítima, fato impeditivo que competia ao reclamado provar (CLT, art. 818; CPC, art. 333, II), e cuja demonstração não ocorreu.
Assim, considerando que a indenização por dano moral deve ser suficiente para diminuir o sofrimento espiritual da vítima, além de impingir ao autor sanção pedagógica, julgo razoável o valor da indenização fixado na origem (R$ 20.000,00).
Danos materiais – Pensão mensal
Como enfatiza Maria Helena Diniz, o dano patrimonial vem a ser a lesão concreta que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável.
Na lição de Sebastião Geraldo de Oliveira, o dano material abrange os danos emergentes e os lucros cessantes, in verbis: “o dano material é o prejuízo financeiro efetivo sofrido pela vítima, causando, por conseqüência uma diminuição do seu patrimônio, avaliável monetariamente (...). O Código Civil estabelece no art. 402 que o ressarcimento dos danos abrange parcelas de duas naturezas: o que efetivamente o lesado perdeu e o que razoavelmente deixou de ganhar. (...) Na avaliação do que deixou de ganhar estaremos diante dos lucros cessantes ou danos negativos” (in Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, págs. 111/112).
Consigne-se que ao lado do dever do Estado de promover a saúde e o bem estar social, há a obrigação do empregador de zelar pela higidez do meio ambiente do trabalho, respondendo por suas omissões, no caso da ocorrência de danos a terceiros.
Bem acertada a decisão de 1o Grau que deferiu o pedido de indenização por danos materiais sob o fundamento de houve redução na capacidade laborativa da reclamante.
No que concerne ao limite de 60 anos de idade, não assiste razão à reclamada.
Entendo que quando há incapacidade permanente (embora parcial), há direito ao pagamento de pensão vitalícia porque a finalidade da indenização é contribuir para a manutenção do padrão sócio-econômico do indivíduo, que se inabilitou (total ou parcialmente) para as funções que anteriormente desenvolvia.
Se houve perda da capacidade de trabalho, ainda que parcial, mas de forma definitiva, tal circunstância impede que o empregado busque a melhoria de sua condição pessoal e financeira no mercado de trabalho, em igualdade de condições com os demais trabalhadores que não tiveram sua saúde abalada.
E é razoável concluir que num outro emprego o reclamante não auferirá salários equivalentes aos que receberia se não houvesse sofrido o acidente de trabalho (ao qual se equipara a doença profissional).
Data venia, é irrelevante perquirir – ou considerar - em qual idade o empregado iria se aposentar. Em primeiro lugar porque a cada ano vem aumentando a expectativa de vida do brasileiro, o que permite, e até determina, que os trabalhadores prestem serviços por mais tempo. E em segundo lugar porque o benefício previdenciário a ser futuramente concedido não se confunde com a indenização a cujo pagamento está obrigado o empregador, nem a exclui, porque os fundamentos são distintos.
Todavia, o juízo deferiu o pagamento de pensão mensal até o implemento da idade de 70 anos, observando os limites impostos na petição inicial, em estrita atenção aos termos dos artigos 128 e 460 do CPC.
Destarte, mantenho a decisão de origem, inclusive quanto ao valor arbitrado, já que a incapacidade foi parcial e permanente, vez que fixadas levando-se em considerações padrões de razoabilidade.
Incidência fiscal sobre a indenização por danos morais – Correção monetária – Obrigação de fazer
Em vista da revelia da recorrente, não se pode conhecer das alegações formuladas porque a reclamada, em razões de recurso, pretende inovar, formulando questões que não foram debatidas, sequer suscitadas, em 1a Instância. Seu procedimento deve ser rechaçado, nos termos dos art. 515, parágrafo 1o e 517, ambos do CPC, este último a contrario sensu. Se acolhido representaria flagrante ofensa ao duplo grau de jurisdição.
Honorários periciais
A reclamada é sucumbente no objeto da perícia e deve responder pelos honorários periciais nos termos do art. 790-B da CLT: “A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, salvo se beneficiária de justiça gratuita.”
Com ressalva de posicionamento pessoal em sentido diverso, dou provimento parcial ao apelo da reclamada para fixar os honorários periciais em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), quantia a ser enriquecida de juros e correção monetária a partir desta data.
Prequestionamento
Quanto ao prequestionamento deve-se esclarecer que o julgado está enfrentando toda a matéria impugnada.
Nos termos da Súmula 297 do C.TST, prequestiona-se a matéria objetivando pronunciamento sobre o tema e não sobre os dispositivos legais, sendo que o julgador não precisa esgotar todo o ordenamento jurídico para fundamentar suas decisões.
Ademais, entendendo o recorrente haver violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal deverá utilizar-se do meio processual próprio para alcançar sua pretensão.
ISTO POSTO, decido conhecer do recurso interposto por ATENTO BRASIL S.A. e a ele dar parcial provimento, para fixar os honorários periciais em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), quantia a ser enriquecida de juros e correção monetária a partir desta data, nos termos da fundamentação. Mantenho à condenação o valor arbitrado pela origem, eis que ainda consentâneo com os títulos deferidos.
ANDREA GUELFI CUNHA
Juíza Relatora
Fonte: www.trt15.jus.br